Ela estava relaxada e foi precisa nas respostas. Desviou com competência dos ataques dos adversários. Recebeu a maior parte dos aplausos e teve chance até de dar gargalhadas. A ex-senadora, ex-secretária de Estado e ex-primeira-dama Hillary Clinton, líder nas pesquisas de intenção de voto nas primárias americanas, saiu ilesa do primeiro debate entre os pré-candidatos democratas à sucessão do presidente Barack Obama – portanto foi a vencedora.
Os dois últimos debates republicanos pareciam lutas no ringue, em que cada contendor desferia tapas e golpes de punho cerrado para convencer o eleitor de que era o mais anti-aborto, o mais anti-impostos, o mais pró-armas, o mais conservador. No debate democrata, realizado pela rede de TV CNN em Las Vegas, o clima foi outro. Eles concordavam, como que davam tapinhas nas costas um do outro e, nos momentos em que partiam para o ataque, jamais perdiam a compostura. Parecia um joguinho de buraco entre amigos.
O clímax foi o momento em que o senador por Vermont Bernie Sanders – segundo colocado nas pesquisas e, entre os cinco presentes, maior ameaça a Hillary – decidiu defendê-la no rocambolesco caso em que ela é atacada por ter usado seu servidor particular de e-mail para conduzir negócios de Estado. “O povo americano não aguenta mais ouvir falar nesses emails, vamos discutir as questões reais”, disse Sanders. Hillary gargalhou e agradeceu efusivamente. Essa a cena que resume o debate.
Hillary conseguiu combater aquele que é considerado seu ponto mais fraco: a falta de autenticidade e a distância do eleitor comum. Sua gargalhada até pareceu meio estridente – mas não falsa. Brincou até sobre o tempo que teve para ir ao banheiro no intervalo. Os moderadores da CNN também não tiveram a mesma competência para inquirir os pré-candidatos que seus colegas da Fox News diante dos republicanos. Hillary estava solta e sua experiência se fez valer.
Até foi pressionada em alguns momentos, mas de modo bastante suave, tanto pelos moderadores quanto pelos rivais. Teve de responder sobre seu papel nas falhas de segurança que permitiram o ataque à embaixada americana de Benghazi (na Líbia), sobre suas contradições ao apoiar e depois rejeitar o Tratado da Parceria Transpacífica (TTP), sobre sua proximidade com doadores do mercado financeiro e sobre seu apoio à guerra do Iraque durante o governo Bush. Foi algo hesitante ao falar da legalização do consumo recreativo de maconha e dos benefícios para filhos de imigrantes ilegais.
No geral, porém, suas respostas não foram evasivas e, embora também não tenham sido lá muito convincentes, na aparência ela estava firme e tranquila. Sobre sua diferença em relação a Obama, respondeu que seria a primeira mulher (não é óbvio?). Se saiu muito bem ao dizer que deveria ser julgada por sua carreira, não por seu sobrenome. Em nenhum momento saiu do eixo. Em debates pela televisão, é isso o que importa.
Sanders manteve sua retórica populista contra os bancos, contra Wall Street e contra a desigualdade. Entre os democratas, é o candidato mais parecido com o republicano Donald Trump. Falou para seu público. Não teve muita chance para conquistar o voto das minorias em que não tem um bom desempenho – negros e latinos. Na resposta em que teve mais dificuldade, embaralhou-se para defender sua posição favorável às armas, contrária à média dos eleitores democratas.
O ex-governador de Maryland Martin O’Malley tentou o tempo todo ser aquele camarada simpático, bacana, todo arrumadinho, que repetia sem parar seu mantra: 100% de energia limpa até o ano 2050 (parecia Levy Fidélix falando do aerotrem). Foi bonzinho mesmo quando criticou Clinton sobre a guerra no Iraque e Sanders pelo apoio ao porte de armas. Está em visível campanha para que Hillary o escolha como vice-presidente, ou integrante de seu gabinete. No final, O’Malley comparou o debate democrata com o republicano com orgulho. Disse que “ninguém no palco denegriu mulheres, ninguém fez nenhum comentário racista” – uma referência óbvia a Trump. Ele tem razão.
Os dois outros candidatos presentes, o ex-senador pela Virgínia Jim Webb e o ex-senador e ex-governador de Rhode Island Lincoln Chafee, tiveram um desempenho inexpressivo. Chafee perdeu a chance de ser mais veemente na crítica a Hillary pelo apoio à guerra do Iraque – que ele rejeitou no Senado. Webb parecia mais um republicano moderado do que um democrata ao falar de política externa. É muito provável que ambos desistam em breve da corrida presidencial.
O maior derrotado foi o ausente – o vice-presidente Joe Biden. Ele ainda não decidiu se concorrerá e tem adiado essa decisão ao máximo, talvez na tentativa de aparecer como fator-surpresa no ano que vem. Depois do debate, se Clinton realmente vier a consolidar seu favoritismo e voltar a subir nas pesquisas, ficará então claro se Biden adotou a estratégia certa.